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Maio de 1933: multidão se aglomera na praça Bebelplatz, em Berlim, para assistir à queima de livros

O youtuber brasileiro Felipe Neto promoveu uma grande doação de livros de temática LGBT na Bienal Internacional do Livro, evento em que o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), atuou para censurar as obras desse tipo. Elogiado por muitos, a ação do youtuber também despertou reações negativas, como a de um usuário que disse que pegaria dois livros com seus sobrinhos e faria uma fogueira. O comentário foi curtido pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).

https://twitter.com/felipeneto/status/1170358321490137088

Recentemente Felipe Neto demonstrou ter uma mente engatilhada contra o autoritarismo, a censura, a ignorância e a opressão. O youtuber não perdeu a oportunidade de recordar outras pessoas que também costumavam queimar livros assim. A história é a seguinte: em maio de 1933 foi o auge da perseguição dos nazistas aos intelectuais. Organizadas entre 10 de maio e 21 de junho daquele ano, poucos meses depois da chegada ao poder de Adolf Hitler, os oficiais nazistas faziam fogueiras, em toda a Alemanha, com grandes quantidades de publicações que eles consideravam contra o regime nazista – incluindo obras de escritores judeus e de autores ou temática gay.

O idioma alemão é rico em termos que descrevem de forma exata e concisa alguns conceitos. Um falante nativo alemão não teria muita dificuldade de expressar a “dor do mundo” (weltschmerz), o “medo do futuro” (zukunftsangst), o “estado de choque” (kreislaufkollaps) ou o “espírito do tempo” (zeitgeist), pois existem vocábulos específicos para isso no léxico nacional. Os alemães também possuem uma palavra própria para a queima de livros: bücherverbrennung.

O fascismo ataca a cultura, queima livros e rouba as obras de arte. Durante esse período livros foram empilhados em enormes fogueiras e queimados em praças públicas. Milhares de obras eram ritualisticamente atiradas na brasa com a presença da polícia, bombeiros e outras autoridades. Entre os autores estavam: Heinrich Heine (1797-1856), Thomas Mann (1875-1955), Bertolt Brecht (1898-1956), Theodor W. Adorno (1903-1969), Albert Einstein (1879-1955), Sigmund Freud (1856-1939), Erich Maria Remarque (1898-1970), Franz Kafka (1883-1924), entre outros. Mais tarde, o regime nazista iria queimar, mais do que livros, pessoas, depois de executá-las em câmaras de gás ou em valas comuns.

No filme Indiana Jones – Última Cruzada, dirigido por Steven Spielberg (1989), o arqueólogo Indiana Jones (Harrisson Ford) tem acesso à um misterioso envelope que contém informações sobre a localização do lendário Santo Graal, o cálice que Jesus Cristo teria utilizado na Última Ceia. Quando seu pai, o professor Henry Jones (Sean Connery), é sequestrado pelos nazistas, o aventureiro embarca numa missão perigosa para salvá-lo e impedir que a relíquia sagrada caia em mãos erradas. Há uma cena bem ilustrativa da “ação contra o espírito anti-germânico” na qual obras literárias aparecem sendo queimadas e ao final Jones esbarra com o ditador nazista e este numa atitude hilária dá um autógrafo.

Apesar de ter prometido respeitar a Constituição, a democracia e as liberdades em seu discurso de posse no Congresso Nacional, após a eleição de Jair Bolsonaro continua em curso o processo da naturalização da truculência política no Brasil. Jair Bolsonaro traz discurso de ódio como fala oficial legitimando que determinados grupos atuem no limiar da violência, ultrapassando o limite do aceitável.

O livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, é sobre uma sociedade do futuro que baniu todos os materiais de leitura e onde o trabalho dos bombeiros de manter as fogueiras a 451 graus: a temperatura que o papel queima. Um bombeiro (Oskar Werner) começa a repensar sua função ao conhecer uma jovem (Julie Christie) encantadora que adora livros.

A primeira adaptação da obra de Bradbury foi realizada pelo cineasta francês François Truffaut em 1966. A queima de livros pelos “Bombeiros do Fogo” remete à censura do regime nazista. Recentemente, foi feito um remake de Fahrenheit 451 com direção de Ramin Bahrani. A nova versão foca na descoberta do bombeiro, interpretado por Michael B. Jordan, sobre uma organização rebelde subterrânea engajada em proteger a literatura.

Baseado em fatos reais, Caçadores de Obras-primas retrata uma das maiores caças ao tesouro da história. O filme conta a jornada de um grupo de 13 especialistas vindos de países diferentes que se reunem para reencontrar obras de arte roubadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. George Stout – interpretado por George Clooney, que também dirige o longa-metragem – um oficial americano e conservador de obras de arte, lidera a equipe.

A Dama Dourada (2015), dirigido por Simon Curtis (Sete Dias com Marilyn), conta a história de Maria Altmann (Helen Mirren) é uma judia sobrevivente da Segunda Guerra Mundial que decide lutar contra o governo austríaco para recuperar diversas obras de arte que pertenciam à sua família e foram roubadas durante o confronto. A Dama Dourada

Refugiada nos Estados Unidos, a austríaca Maria Altmann (1916-2011) conseguiu recuperar, em 2006, cinco quadros que haviam sido roubados de sua família pelos nazistas, em 1938. Entre eles estava o Retrato de Adele Bloch-Bauer, sua tia, uma das obras mais famosas de Gustav Klimt (1862–1918), hoje exposta na galeria Neue, em Nova York. A pintura foi recuperada por Donald Burris.

O documentário Arquitetura da Destruição (1989), produzido e dirigido pelo cineasta sueco Peter Cohen, acompanha a trajetória de Adolf Hitler e de alguns de seus mais próximos colaboradores, com a arte. O filme destaca ainda a importância da arte na propaganda, que teve papel fundamental no desenvolvimento do nazismo em toda a Alemanha.

Paris, como o resto da França, foi ocupada pelos nazistas de 1940 a 1944. Quando a guerra já estava perdida para a Alemanha e o avanço dos aliados para recuperar a capital francesa era inevitável, partiu uma ordem do próprio Hitler para incendiar Paris totalmente, incluindo seus monumentos e museus. Entretanto, o próprio comandante alemão em Paris reluta em acatar esta ordem, pois considera tal sacrifício inútil. O filme Paris Está em Chamas? (1966), do diretor René Clément, aborda esse acontecimento histórico.

A iniciativa do vilão que salvou Paris também é exposta no longa Diplomacia (2014) do diretor alemão Volker Schlöndorff, vencedor do Oscar de filme estrangeiro e da Palma de Ouro por O Tambor (1979). Baseado na peça de Cyril Gely o filme, laureado com o prêmio César (o Oscar francês) de Melhor Roteiro Adaptado, se passa na véspera dos ataques a Paris e esmiúça o processo psicológico que levou o general Dietrich Von Choltitz, interpretado por Niels Arestrup, a desistir da atrocidade.

Heinrich Heine (1797-1856), poeta romântico alemão conhecido como “o último dos românticos”, escreveu: “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas”. Ao tornar-se ditador em 1933, Adolf Hitler deu à sua preferência artística pessoal força de lei, a um nível raramente visto antes. A arte da Alemanha nazista era aquela que foi produzida e aprovada pelo governo no Terceiro Reich (1933-1945). O ditador nazista perseguiu e prendeu professores, artistas e curadores que se identificavam com formas de arte não aprovadas pelo governo.

Apesar de ter prometido respeitar a Constituição, a democracia e as liberdades em seu discurso de posse no Congresso Nacional, após a eleição de Jair Bolsonaro continua em curso o processo da naturalização da truculência política no Brasil. Jair Bolsonaro traz discurso de ódio como fala oficial legitimando que determinados grupos atuem no limiar da violência, ultrapassando o limite do aceitável. Aqui no Brasil, Jair Bolsonaro persegue cientistas, professores, artistas, jornalistas que não se dobram à sua vontade. Até torcedor que o vaiou em estádio já foi preso. Qualquer coincidência entre Bolsonaro e a tentativa de supressão da intelectualidade e das artes durante o regime nazista é mera semelhança.