No próximo domingo (31), o golpe militar de 1964 completa 55 anos. Mais de meio século após aquele 31 de março, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, toma a iniciativa de oficializar a comemoração do golpe de 1964. O porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, afirmou nesta segunda-feira (25) que o presidente Jair Bolsonaro determinou aos quartéis ‘comemorações devidas’ do golpe de 1964.

Na Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, países membros da “Operação Condor” (plano que integrou os regimes militares da América do Sul à CIA em 1975), não se comemora os golpes porque nesses países não teve Anistia a torturador. “Comemorar o início de uma ditadura militar, por iniciativa do Estado, é algo inédito na América Latina”, diz Santiago Cantón, atual secretário de direitos humanos da Província de Buenos Aires e ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2001-2012), à Folha de S. Paulo. Nesses países respeita-se a memória das vítimas e o sofrimento de suas famílias.

Nas ditaduras o Estado, que tem o dever público de proteger o cidadão, comete crimes de lesa-humanidade considerados imprescritíveis, independentemente da data em que tenham sido cometidos. De acordo com a lista apresentada no livro-relatório Direito à Memória e à Verdade, realizado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, só durante o período da ditadura militar (1964-1985) ocorreram mais de 370 casos de assassinatos, torturas, desaparecimentos forçados e muitos outros atos violatórios aos direitos humanos cometidos por agentes estatais brasileiros contra opositores políticos.

Todos estes crimes descritos passaram por um processo gradativo e elaborado de tipificação em âmbito internacional. Órgãos das Nações Unidas, Tribunais Criminais Internacionais e também a Corte Interamericana de Direitos Humanos têm tratado incessantemente de casos semelhantes ao brasileiro, construindo uma doutrina e uma jurisprudência sofisticadamente preocupada com o combate a estes delitos, denominados universalmente como ‘crimes contra a humanidade’, ‘crimes de lesa-humanidade’, ou até mesmo ‘crimes sob o Direito Internacional’.

Apesar de Jair Bolsonaro, 38º presidente do Brasil, ter prometido no discurso de posse que o seu governo “será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade”, o ímpeto autoritário de Bolsonaro incentivou a celebração do golpe de 1964 ao invés de rechaçar a ditadura, defender a democracia e denunciar violações contra a memória e as verdades históricas.

Se em 1964 os generais tomaram o poder pela força das armas e dos tanques, em 2018 o capitão-presidente e seus generais voltam ao poder pela força do voto. Embora muitos conheçam as histórias envolvendo as vítimas da ditadura militar, a esmagadora maioria dos brasileiros infelizmente não viu, o que explica a ignorância e a perenidade de tantas mentiras sobre esse período histórico.

A frase “Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”, do político liberal e teórico político Edmund Burke, tornou-se muito famosa nas redes sociais, mas parece que as pessoas não entender o que estão repetindo. É a partir da compreensão do passado que poderemos avaliar o presente e projetar o futuro. Há muitas livros e documentários que se dedicam a investigar temas relacionados ao golpe de Estado no Brasil em 1964, e para reativar a consciência história brasileira nessa data foram selecionados três documentários sobre o período:

1 – O DIA QUE DUROU 21 ANOS

Documentos secretos e gravações originais da época mostram a influência do governo dos Estados Unidos no Golpe de Estado no Brasil em 1964. O filme destaca a participação da CIA e da própria Casa Branca na ação militar que deu início a ditadura.

Com direção de Camilo Tavares, filho de uma das vítimas da ditadura, O Dia que Durou 21 Anos documentário que todo brasileiro merece assistir para aprender as lições da história.

2 – JANGO

O filme refaz a trajetória política de João Goulart, o 24º presidente brasileiro, que foi deposto por um golpe militar nas primeiras horas de 1º de abril de 1964.

3 – PASTOR CLÁUDIO

Um encontro histórico entre duas figuras pessoalmente antagônicas: o bispo evangélico Cláudio Guerra, responsável por assassinar e incinerar os opositores à ditadura militar brasileira, e Eduardo Passos, um psicólogo e ativista dos Direitos Humanos. O documentário da diretora Beth Formaggini traz revelações perturbadoras. Pastor Cláudio narra a trajetória política de Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS (Departamento da Ordem Política e Social) do Espírito Santo durante a ditadura militar.

Pastor Cláudio, como preferia ser chamado, executou opositores ao regime militar brasileiro como integrantes do PCB (Partido Comunista Brasileiro), além de ocultar cadáveres. O doc denuncia os crimes cometidos pela ditadura militar e pelo agente do Estado que ao invés de respeitar as leis, se tornou um agente violador de direitos. “A gente tem este passado completamente impregnado [no presente] e o futuro corre sérios riscos de estar impregnado também. Chegou um momento em que ou enfrentamos a nossa história e lutamos pelos direitos humanos hoje, ou as mesmas práticas do passado são repetidas hoje”, afirmou Beth Formaggini (via Diário Causa Operária).

O filme chega em um momento onde se evidencia a banalização da barbárie e o encorajamento dos discursos de ódio no país. A relevância da obra está em denunciar os crimes da ditadura militar, as torturas e violências, tanto físicas quanto psicológicas, cometidas por motivos políticos. Pastor Cláudio é didaticamente importante quando se tem um presidente da República que faz apologia à triste figura coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), único brasileiro declarado pela Justiça torturador na ditadura.